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O GLOBO - Página de Opinião - 13/04/01

REDISCUTIR O ICMS

Pedro G. Diniz Filho *

Neste momento em que, pelo menos no discurso, foi manifestada a disposição do Governo de reabrir as discussões sobre a reforma tributária, cabe aos órgãos da sociedade civil se engajarem numa frente para aperfeiçoar o ordenamento legal que embasa o nosso sistema tributário.

Já que o espaço para grandes transformações tributárias está limitado pelos interesses dos diversos atores envolvidos, devemos nos concentrar nos esforços para eliminar distorções que se perpetuam ao longo do tempo, por falta de interesse e, por que não dizer, da falta de clareza que decorre do grande cipoal em que se transformou a estrutura tributária brasileira.

Nos últimos anos houve grande movimentação por parte de consumidores de serviços públicos com o objetivo de reparar perdas financeiras decorrentes da cobrança indevida do ICMS por parte das concessionárias de energia elétrica e telefonia. Através de ações impetradas por advogados e associações de consumidores, eles vêm obtendo liminares e decisões favoráveis nas instâncias iniciais da Justiça, contra os valores lançados nas contas relativos ao valor do ICMS estadual, supostamente a maior.

Esse movimento de defesa da cidadania contudo está fundamentado justamente nas dificuldades provocadas pelo citado cipoal de leis tributárias. Apesar de ser este um tipo de cobrança ultrapassado, como veremos a seguir, está legalmente amparado dentro do direito tributário brasileiro, podendo ser encontrado na matriz de outros tributos, inclusive o ISS municipal.

No caso do ICMS, um simples estudo histórico nos mostra que, desde a sua instituição, ainda como ICM, o imposto deve ser calculado adicionando-se o valor ao total dos produtos e serviços, num mecanismo denominado "cobrança por dentro". Infelizmente, toda a discussão dos últimos dois anos sobre a reforma tributária passou ao largo desta importante questão. Discutiram-se diversas características de nosso principal tributo sobre o valor adicionado; contra a cobrança "por dentro" do ICMS, nem uma voz se levantou. A história de outras nações pode nos ajudar a entender esta omissão.

No momento da criação dos impostos sobre o valor adicionado (IVA), após a Segunda Guerra, na Europa, esta forma de cálculo foi incluída para elevar camufladamente o valor do tributo, pois estavam sendo eliminados os antigos tributos lançados sobre a totalidade do valor de cada operação. A nova sistemática, inédita, acabava com a tributação superposta, e poderia acarretar impactos negativos no volume das receitas. Por essa razão, em todos os estados europeus os IVAs foram implantados com a cobrança "por dentro". Com a consolidação do novo sistema, verificou-se que o dispositivo era desnecessário e apenas servia para aumentar a carga tributária, além de confundir a administração do imposto. Progressivamente, os IVAs europeus começaram a ser cobrados com exclusão do imposto da base de cálculo ("por fora").

No Brasil, esta discussão levou 30 anos para aflorar, mesmo assim de forma equivocada. Sem dúvida contribuiu para este adormecimento da sociedade o fato de que, como o tributo é indireto, a visibilidade do problema foi mascarada, pois os agentes que recolhem o tributo não são diretamente impactados financeiramente, já que o repassam aos usuários finais.

Foi somente quando a tributação do ICMS passou a ocorrer sobre os serviços cobrados aos consumidores finais que ficou clara a forma de cálculo: as alíquotas reais são superiores aos percentuais das alíquotas nominais. Numa prestação de serviço de telefonia, por exemplo, os 25% da alíquota definida na lei se transformam em 31,25% sobre o valor original da conta.

Este valor adicional vem incentivando as ações contra as empresas concessionárias. Apesar do amparo obtido nos tribunais de instâncias inferiores, baseado em grande parte dos casos em dispositivo da Constituição de 1988, estas ações estão fadadas ao insucesso, tendo o Supremo Tribunal Federal derrubado até o momento diversas decisões.

A sociedade precisa se insurgir contra esse sistema, mas a forma de reação deve ser outra, observando-se os caminhos institucionais para derrubar este anacronismo tributário. Precisamos iniciar um grande debate para alterar a legislação do ICMS, revogando o dispositivo que ampara a cobrança "por dentro". Esta simples alteração é da maior importância, pois além de colocar o país entre as demais nações modernas, permitirá reduzir o montante da carga tributária. O ICMS é o tributo de maior arrecadação no país, com cerca de 23% do total de tributos e contribuições, representando 7% do PIB nacional. A nova sistemática reduzirá o total da carga tributária em cerca de 1%, desonerando as empresas e reduzindo os preços finais da maioria dos produtos e serviços.

* Pedro G. Diniz Filho é vice-presidente financeiro do Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro.

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