GAZETA MERCANTIL - Página de Opinião - 19/01/01
ICMS, SELETIVIDADE ÀS AVESSAS
Pedro Diniz - vice-presidente Financeiro do Sindicato dos Fiscais de Rendas do Estado do Rio de Janeiro - SINFRERJ
Num movimento quase orquestrado, vários estados brasileiros aumentaram neste início de ano diversas alíquotas do ICMS (principalmente de combustíveis e energia elétrica), alegando a necessidade de se adaptar aos ditames da nova Lei de Responsabilidade Fiscal.
Este movimento conjunto contradiz todos os preceitos normalmente aceitos pelos padrões do que seria um sistema tributário racional. Hoje em dia, todo bom sistema de tributação deve estar alicerçado numa estrutura que, além de arrecadar os recursos necessários, leve em conta os efeitos econômico-sociais decorrentes da forma como se tributa a sociedade.
Como um fundamento desta estrutura, que pode ser encontrado em todos os países modernos, se insere o mecanismo da seletividade dos tributos, implantado para que o sistema apresente características de progressividade, ou seja, tribute com carga mais elevada os agentes pessoais e econômicos que possuam maior capacidade contributiva.
No Brasil, a seletividade existe na estrutura de diversos impostos. Na área dos impostos sobre a produção e consumo, o Imposto sobre Produtos Industrializados sempre foi calculado com base em alíquotas seletivas. Já no caso do ICMS, este mecanismo só foi implantado a partir da Constituição de 1988, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
Desta forma, os estados, com a participação do plenário do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), foram definindo alíquotas diferenciadas, acima e abaixo da alíquota normal do ICMS. Para os produtos essenciais, como os constantes da cesta básica alimentar e outros, como veículos e os ligados ao setor de informática (devido às políticas de atração industrial) foram implantadas alíquotas reduzidas de 7% e 12%. Por outro lado, produtos de uso suntuário e de consumo impróprio, tais como armas, bebidas, fumo e perfumes passaram a ser taxados com uma alíquota mais gravosa - 25%.
Contudo, neste segundo grupo de produtos encontramos alguns bens e serviços que não poderiam ser considerados como supérfluos - energia elétrica, serviços de comunicação e combustíveis.
Devido às características monopolísticas destes setores e à reduzida elasticidade-preço da demanda dos produtos e serviços por eles oferecidos (aumentos de preço não inibem a utilização dos mesmos), os governos estaduais abandonaram a aplicação da alíquota normal a passaram a aplicar alíquotas mais elevadas sobre as suas operações e prestações de serviço. A partir daí, passou-se então a se tributar mais pesadamente a energia que move todo o nosso país, os serviços de telefonia que são essenciais para a afetividade das pessoas e os negócios das empresas (inclusive os realizados pela internet), e os combustíveis, que permitem a movimentação das pessoas, dos bens e das mercadorias.
Infelizmente, neste início de 2001, mais uma etapa de majoração destas alíquotas foi implantada. Alegando dificuldades para cumprir dispositivos da nova Lei de Responsabilidade Fiscal, diversos governadores autorizaram a elevação da carga do ICMS incidente sobre estes setores. Analisando os dados da arrecadação do ICMS nacional, verificamos que o percentual de receita proveniente destes três setores já vinha correspondendo (dados do ano passado) a mais de 20% de todo o ICMS arrecadado no Brasil, num descompasso com a participação destes setores no PIB nacional.
Esta é mais uma faceta da política vigente em nossas administrações tributárias - tributo bom é o tributo fácil de arrecadar. Esquece-se a máxima de que tributos injustos e complexos atrapalham a economia e sacrificam o empresariado e a população, apesar de garantirem a receita dos estados. Hoje, sem as alíquotas elevadas dos setores que apontamos, todos os estados brasileiros estariam insolventes.
A única saída para acabar com este grave comprometimento é o redirecionamento da carga tributária para os demais setores econômicos que vêm, sem motivo aparente, perdendo peso no bolo do ICMS. Tomando como exemplo o Estado do Rio de Janeiro, estes três setores, representados por menos de 10 empresas respondem hoje por mais de 40% de todo o ICMS arrecadado (os outros 60% são provenientes da arrecadação de mais de 226 mil estabelecimentos).
Reforçar as estruturas de administração tributária, reaparelhar as receitas estaduais para atacar os inúmeros pontos de evasão de tributos é obrigação dos atuais e futuros governadores para reverter um quadro de custos insuportáveis, um dos maiores empecilhos para debelar a crise por que passa nossa economia. Neste particular, o programa de modernização fazendária (PNAFE) apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, parece estar sendo uma oportunidade que vem sendo desperdiçada neste momento, já que com poucas exceções de projetos individuais, todos os estados brasileiros estão redefinindo suas administrações fazendárias de forma insatisfatória, sem ouvir o quadro funcional fazendário, as entidades empresariais e o conjunto da população.
Somente assim, criando meios efetivos de arrecadar os recursos dos contribuintes faltosos, é que os estados brasileiros poderão voltar a praticar alíquotas mais baixas para estes segmentos da economia, mantendo (e até mesmo diminuindo) a atual carga de tributos para todos os demais setores, mas desviando o impacto da contribuição dos contribuintes que hoje estão em dia com suas obrigações para os que vêm se evadindo das obrigações tributárias legal e ilegalmente.
Esta simples reviravolta na forma de tributar terá como principal resultante a liberação de toda a sociedade do peso de um tributo que hoje vem sendo irracionalmente cobrado.