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GAZETA MERCANTIL - Página de Opinião - 25/08/2000

Administração Tributária - Transparência no Serviço Público

Joaquim C. Monteiro Jr., Pedro Diniz e Ricardo Brand - Fiscais de Rendas


Não é de hoje que a sociedade vem estabelecendo e ampliando seus controles sobre as despesas do poder público. A necessidade de evitar a fraude e a má utilização dos recursos públicos deu origem a um sem número de leis e mecanismos que visavam impor limites à autonomia de governantes e servidores públicos.
Assim, foram surgindo a Lei das Licitações e um vasto aparato legal tendente a dar transparência aos gastos públicos, a Lei do Colarinho Branco, a recente Lei de Responsabilidade Fiscal que, ao lado da fiscalização exercida pelo Poder Legislativo e pelos Tribunais de Contas, têm garantido um mínimo de controle da sociedade sobre aqueles a quem o mandato eletivo ou o cargo público conferiram poderes para lidar com recursos públicos. Não fossem estes mecanismos, certamente teriam sido bem diferentes os desfechos de alguns episódios recentes, como o casos PC/Collor, anões do orçamento, TRT de São Paulo, Pitta e muitos outros. É claro que tudo isto ainda não foi suficiente para fechar muitos dos ralos por onde escoam os escassos recursos da União, dos estados e dos municípios, mas algo de substancial já foi realizado neste sentido.
Mas não é apenas na hora de se gastar que temos problemas. Eles, na verdade, começam, de maneira pouco perceptível, em fases anteriores à despesa. Em recente artigo publicado no Globo, de 31 de julho de 2000, Cristóvão Buarque denuncia, com muita oportunidade, um dos aspectos cruciais desta questão:
'A maior corrupção brasileira não está no desvio de verbas do orçamento, ela está no próprio orçamento, que não prioriza decentemente os gastos. Tão corrupto quanto o desvio de verbas é a própria previsão de gastos'.
Quando abordamos a gestão dos recursos públicos pelo lado da arrecadação, da administração tributária propriamente dita, constatamos a completa ausência de vigilância por parte da sociedade e de seus representantes. Neste particular, os administradores públicos - governantes e servidores - desfrutam de total, inexplicável e injustificada autonomia. E essa frouxidão de controles, este vazio de normas para regular os procedimentos da administração não raras vezes resulta em prejuízos para toda a sociedade.
A experiência tem demonstrado ser freqüente o uso político da estrutura das áreas de fazenda, seja para proteger os antigos e futuros financiadores de campanha, seja para perseguir adversários políticos. Por outro lado, a negligência, a improvisação, o despreparo, a má-fé e, não raro, a corrupção na administração tributária acabam por contribuir para desorganizar nossa incipiente competição empresarial, ao favorecer alguns - em geral, os maus contribuintes - em detrimento dos demais.
Em qualquer das circunstâncias citadas, percebe-se com clareza como a falta de regras e de normas que balizem a ação da administração tributária pode inviabilizar o caminho para uma verdadeira justiça fiscal.
O que propomos nesta reflexão não é outra coisa senão uma espécie de 'controle externo da administração tributária', através de mecanismos semelhantes aos que hoje estão disponíveis para fiscalizar os responsáveis pelos gastos públicos. Isto inclui a definição de regras claras e pré-estabelecidas para a ação fiscal sobre qualquer contribuinte de qualquer tributo. Estas regras seriam necessariamente baseadas em critérios técnicos e impessoais que afastem de vez de nosso convívio o apadrinhamento, o protecionismo e, também, a perseguição de adversários políticos.
Parece-nos evidente que uma das necessidades prementes é a adoção de um rigoroso modelo de previsão de receita, acompanhado pela sociedade e por ela aperfeiçoado, baseado em critérios realmente técnicos, que levem em consideração, por exemplo, aspectos conjunturais globais e setoriais da economia. Hoje, se um administrador público exalta resultados de arrecadação significativamente superiores ao previsto, não se pode afirmar que o desempenho da administração tributária tenha sido satisfatório pela pouca, ou nenhuma, confiabilidade das previsões. Uma previsão de receita mal elaborada certamente estará mascarando a avaliação do desempenho do administrador e da administração tributária.
Temos a convicção de que a ampliação dos controles sociais sobre a administração tributária seria um avanço significativo da cidadania e da democracia em nosso país, em benefício da maioria e, principalmente, dos menos favorecidos. Mecanismos de controle assim estabelecidos poderiam se constituir numa conveniente resposta ao Código de Defesa do Contribuinte em tramitação no Senado Federal, um instrumento escuso de proteção aos setores mais atrasados da economia. Controles sociais democraticamente estabelecidos, que garantissem a transparência do processo de arrecadação de tributos e, ao mesmo tempo, contribuíssem para o arejamento, modernização e fortalecimento de nossa economia certamente teriam a aprovação da sociedade e o aplauso dos muitos empresários responsáveis de nosso país.

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